quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Balão SanJoanino,tradição ou não, eis a questão

Sei que estou muito longe de todos os co-irmãos baloeiros do Brasil, mas mesmo estando à 9.500 Kilometros de distância em terras lusitanas, não deixo de acompanhar a vida da arte baloeira aí entre vocês. Estou longe, mas num simples teclado estou logo aí, vendo e lendo tudo o que se passa no mundo baloeiro. Posso dizer que são 28 anos de separação e aqui em Portugal eu vivo outra realidade que não é a mesma no Brasil.
Apesar de meus pais serem portugueses, onde com 30 anos de residência no Brasil aprenderam um pouco e adquiriram a sua maneira de ser também em parte brasileiros, tanto eu (Chico Carioca) como meu irmão Franklin, tivemos uma vida bem ligada aos balões no Rio de Janeiro. Nós dois nascemos da década de 60, por isso aqueles que são da mesma época ou mais antigos na idade, sabem muito bem no que estou a me referir.
Tanto eu como meu irmão, vivemos nossa infância rodeados por balões, que em meio a essa época enchiam os nossos olhos de brilho e alegria ao vê-los subir e outros a passarem pelo bairro da Piedade-RJ. Entretanto, não tivemos durante a nossa infância, contato com adultos que pertencessem à classe dos baloeiros e nem conhecíamos ninguém. Nenhum vizinho era baloeiro e isso fazia com que meu irmão e eu não pudéssemos entrar na dita “escola da arte” e aprender todos os pormenores para colorir o céu. Eu próprio, quando vi o primeiro balão na minha vida, que por acaso era um fogueteiro noturno, tinha 4 anos de idade e apavorei-me diante daquele artefacto, que numa boa altura ía disparando foguete a foguete e clareando o céu. Eu sei que ali, nesse momento, algo despertou em mim sem saber propriamente o que era.
Lembro-me que em criança, meu pai também dizia que em Portugal também se lançavam balões, pois essa tradição tinha vindo de lá, mas no Brasil se soltavam muito mais.
Quando fui morar para Piedade, tive a sorte de ter uns vizinhos ao lado da minha casa, que apesar de serem conhecidos como a família Oliveira e que apesar do nome parecer dar essa intenção, não tinham nada a ver com portugueses. Eram brasileiros e pernambucanos, três irmãos e uma irmã, apenas um deles era casado e todos viviam em harmonia, como uma verdadeira família. Posso dizer que eram pessoas impecáveis, que viviam o seu mundo dentro da casa deles, mas que transmitiam a alegria e o espírito do nordeste brasileiro. Um dos irmãos que se chamava Sr. Arlindo, foi quem me ensinou a fazer um junino. Ele não era na verdade um baloeiro nato, muito menos os outros irmãos, mas todos tinham o espírito junino muito enraizado, talvez derivado a terem nascido num Estado como Pernambuco em que se vive intensamente essa tradição.
Então é justamente aí que eu quero chegar, pois ele ensinando-me como se fazia um balão, passou-me também por conversa o porque de se fazer e soltar balão. Tudo isso porque era uma “TRADIÇÃO JUNINA”, entre a celebração dos santos juninos: Stº António, S. João e S. Pedro no mês de Junho. Depois, passou aos símbolos dessas comemorações juninas, que entre muitas lá estava o meu querido balão. Então aprendi que o balão era um símbolo junino, uma tradição onde nem sequer pensava que fosse uma arte, mas que na realidade sempre foi de certeza. Se não me falha a memória, isto aconteceu em 1966. Passados alguns dias de eu ter o meu primeiro balão em mãos que foi feito e oferecido pelo Sr. Arlindo, eis que entramos no primeiro dia de Junho desse ano e não é que para minha surpresa, ao acordar cedo para ir a escola, quando saio pela porta fora no quintal que a minha casa tinha, bem como todas as outras casas, deparo-me com o quintal dos meus vizinhos todo enfeitado com folhas de coqueiro, bambus, bandeirinhas, lâmpadas coloridas e numa espécie de presépio junino, lá estavam num canto os três santos juninos.
Aquilo que vi, foi o despertar e o complemento em volta do balão junino. Essa tradição existia, graças à comemoração em honra dos santos juninos. Logicamente que depois de ver aquele colorido todo ao lado da minha casa, eu senti que o meu quintal não poderia ficar indiferente e mesmo sendo um moleque pequeno, eu tive que fazer o mesmo, pois a vontade era mais do que tudo. Assim, foi o que aconteceu e inocentemente mostrei-me solidário e participativo com a tradição junina. Lembro-me que nas noites comemorativas aos santos juninos, fazíamos uma fogueira e meus vizinhos, juntamente com meus pais convivíamos todos como se fosse um grande arraial junino. Não faltava comida, nem bebida, nem as músicas juninas que tocavam na vitrola do Sr. Arlindo. Ele próprio ajudou a soltar esse meu primeiro balão. Subiu, não foi muito longe, mas o que importou foi à emoção vivida naquele momento. Mais alegre fiquei, junto com meu irmão quando vi que o Sr. Arlindo ainda tinha feito mais uns 4 juninos de um metro cada. Sei que de tão eufórico, eu com lápis e papel na mão, comecei a registrar todos os balões que iam subindo e passando ali pelo bairro, isso apesar da minha inocência sem saber o tamanho deles e outros pormenores. Só torcia para que a noite passasse o mais devagar possível, pois sentia que era preciso saborear bem aqueles momentos vividos por todos nós.
Com o passar dos anos, vivi outras festas que foram realizadas pelo bairro, mesmo a nível de ruas, mas isso é assunto para se poder contar em outra ocasião.
Onde eu quero chegar mais propriamente, é que eu aprendi a gostar de balão por causa da tradição junina, faz parte da mesma e sem ela, para mim não teria razão de existir.
Vivi no Rio até 1981, onde ultimamente residia em Quintino, outro bairro de forte tendência baloeira, do qual pertenci a ex-Turma do Barata. Fizemos e soltamos inúmeros balões, mas sempre com a tendência e o espírito da tradição junina e nunca deixamos de frequentar as festas juninas que também em algumas ruas deste bairro se realizavam.
Quando deixei o Brasil, constatei mais tarde que o meu pai falara a verdade. Também existia lançamento de balões por aqui, principalmente na região norte portuguesa, em cidades como o Porto, Braga, Vila do Conde, Figueira da Foz, Gaia e outras onde se celebrava o S. João.
O tempo foi passando e já conto 28 anos de Portugal, mas dentro da arte baloeira, constato que os balões juninos em Portugal ainda sobem “livremente”, pois existe uma tradição que é respeitada, que aqui se chama “Tradição Sanjoanina ou Festa dos Santos Populares”, que igualmente no Brasil são as chamadas “Festas Juninas ou Festas dos Santos Juninos”.
Hoje, o que eu constato é que a arte baloeira em Portugal não evoluiu em nível de construção dos seus balões. Eles continuam sendo do mesmo molde de sempre, as mesmas cores de sempre, simples como sempre, onde os tamanhos variam na sua maioria, entre os 50 cms e os 2 metros e meio. São cada vez mais as pessoas que lançam estes balões na chamada época sanjoanina. Voam livremente, pois são símbolos que fazem parte da cultura e tradição de um povo que simplesmente só quer comemorar a sua tradição sanjoanina. Quanto ao Brasil, tudo isto que se passa ainda em Portugal, foi levada há muitos anos atrás e enraizou-se fortemente na terra que um dia Pedro Álvares Cabral descobriu. Durante muitos anos, o Brasil também foi assim. Só que de alguns anos para cá, derivado a grande capacidade que o povo brasileiro tem e de quem estava envolvido nesta arte, fez com que os simples balões fossem se transformando em autênticas obras de arte, mais bonitos, mais trabalhosos, mais imponentes, mais decorativos, mais engenhosos e sobretudo grandiosos e gigantescos. Sem dúvida nenhuma, que o Brasil é e será sempre o País detentor dos mais belos balões do mundo. Mas agora eu pergunto, atualmente qual o simbolismo do balão no Brasil, se lemos e escutamos da própria boca dos baloeiros brasileiros que a tradição junina está nos últimos suspiros. A maioria dos baloeiros do Brasil não sabe manifestar o porque de se soltar balão. As respostas são as mais variadas: “balão é arte”,”balão é cultura”, “balão é minha vida”, “solto balão o ano todo” “é nóis aqui”, “é nóis ali”, “lá vai mais um pro alto”, “pura adrenalina” etc, etc… etc.
Depois, muitos já consideram que quem solta um balão inferior a 10 metros tem que ser desvalorizado. Aborda-se o excesso por parte de muitos praticantes desta arte exagerarem que o balão tem que levar tudo e mais alguma coisa, não pondo em prática antes da sua construção a tabuada-matemática do balão. Desde a painéis e bandeiras gigantescas, desde aos fogueteiros diurnos ou noturnos, não há o consenso em saber se subirá em condições e se irá descer completamente apagado. Também em outros tempos, o balão no Brasil tinha a sua época, se bem que derivado a grande vontade de se soltar balões, ela começava um pouco antes e terminava um pouco depois das festas juninas. Hoje, solta-se balão desde o primeiro ao último dia de cada ano. Solta-se balão a qualquer hora do dia. Um simples fogueteiro pode fazer acordar milhares de pessoas sobressaltadas durante uma madrugada (em Portugal seria impossível isso acontecer), não contando porém os problemas diversos que ocorrem se no lançamento acontecer algum desastre. Não se respeita os resgates e os bens alheios de quem por infelicidade tiver o azar de um balão cair dentro da sua área residencial. Os campeonatos de balões também tem sido um ponto favorável a discórdias e intrigas dos que participam. Diante desses problemas todos, vem como aliado à mídia e autoridades, que culpam o balão por diversos problemas do meio ambiente e outras coisas más, originando a imposição de uma Lei única do planeta que proíbe tudo relacionado ao balão.
Diante disso tudo voltamos ao mesmo. Evoluímos? Sim, os balões evoluíram, mas os seus construtores e lançadores, não!
Onde está a tradição junina, onde está o seu simbolismo, os seus valores? Já ninguém fala mais disso e nem se transmite esse sentimento para as gerações futuras. O negócio mesmo é ver balão no céu, mesmo que algum dia já não se saiba mais porque se solta balões. Muitos ainda falam dos bons velhos tempos, mas diante de tanta gente que solta balão no Brasil, esses “muitos” já começam a ser uma minoria.
Em Portugal, se alguém perguntar porque vai soltar um balão, crianças, jovens, adultos ou idosos, todos responderão: para comemorar St. António, S. Pedro e S. João.
Como tudo na vida, há de haver tempo para descanso, preparação e atuação. Assim são também as outras tradições (Carnaval, Páscoa, Natal e Passagem do Ano) e a tradição Junina não foge a regra.
Atualmente, a arte baloeira está enraizada em mais de 50 países dos 5 continentes. Muitos, usando esta arte como símbolo de tradição junina, já outros aplicando a diversos tipos de tradição comemorativa, como ex: Dia dos Mortos, Dia da Independência de algum País, Dia de Ano Novo… etc.
O importante disto tudo é saber preservar o balão através da comemoração da tradição popular, seja ela qual for. Quando no Brasil ainda se seguia e respeitava a tradição junina, o balão jamais era proibido.
Agora cabe a cada um da grande família de artistas da arte baloeira saber o que se pretende:
Usar o balão como um símbolo de tradição comemorativa ou simplesmente tornar-se num esporte ou passatempo qualquer.
Tradição ou não, eis a questão.

Chico Carioca
TURMALUSA DE LISBOA-PORTUGAL

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